Bugios correm risco de extinção no Paraná

Bugios correm risco de extinção no Paraná

Luana Dias

Associada ao desmatamento e a caça ilegal, a febre amarela vem sendo apontada como responsável pela drástica redução do número de primatas em Castro e nas cidades vizinhas. A circulação do vírus pela região e a presença de mosquitos transmissores da febre ficaram comprovadas, entre os anos de 2018 e 2020 – quando centenas de animais, sobretudo Alouatta guariba clamitans, conhecidos no Paraná como bugios e um dos primatas mais comuns em várias áreas do Estado – apareceram mortos em áreas de mata fechada.

No entanto, a incidência do vírus no Estado já ocorria antes deste surto, conforme apontam estudos. Por exemplo, dados de uma pesquisa aos quais a reportagem teve acesso, realizada pelo biólogo e pesquisador do Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento (Lactec), Robson Odeli Espindola Hack, e pelo médico veterinário Paulo Henrique Gerytch, apontam que  há ampla circulação do vírus da febre amarela nas regiões Sul e Sudeste do Brasil desde o ano de 2016. De acordo com a pesquisa desenvolvida pelos profissionais, cujos dados completos serão publicados em um congresso científico de nivel mundial, o vírus ja matou centenas de primatas não humanos. Segundo o documento, no ano de 2019 foi confirmada a morte por febre amarela em 94% dos animais encontrados mortos no interior do município, entre os quais foi feita análise de carcaça, sendo que a maioria delas era de Alouatta guariba clamitans.

Além disso, o avanço do desmatamento provocado pela exploração ilegal de madeira para abertura de áreas de pastagem, agricultura, silvicultura e outras atividades econômicas tem afetado a disponibilidade de habitat para estes animais e aumentado os riscos para sua sobrevivência na natureza. A caça, que é uma atividade ilegal, porém, pouco fiscalizada, também já dizimou famílias inteiras destes primatas na região.

Em cidades como Castro, onde o agronegócio é a base da economia, o avanço das atividades em áreas de matas nativas já exige há muito tempo a adaptação dos primatas, no entanto, com a presença da febre amarela, ouvir o ronco do bugio que sempre fez parte das melodias das florestas paranaenses vem se tornando prática cada vez menos frequente. É o que conta o produtor rural Gilberto Luiz Simão Junior, morador da localidade Lagoa dos Gomes/Arroio Bonito, onde antes os animais costumavam habitar o quintal de sua casa. “Nossa região ainda tem muita mata preservada, mas não se escuta mais o bugio por aqui, há bastante tempo eles vinham diminuindo, mas sumiram de vez depois da febre amarela. Na nossa chácara, por exemplo, tinha um bugio e umas quatro a cinco fêmeas, mas na época que deu aquele surto da febre, no ano de 2019, eles desapareceram, outros macacos ainda são vistos aqui, como o macaco-prego, também chamado de mico, e o mono carvoeiro, mas conforme um veterinário me explicou na época, o bugio sofre mais com a presença do mosquito transmissor, por conta da sua pelagem e pela altura em que ele geralmente fica nas árvores”, destacou.

Na região onde Gilberto mora, muitas empresas exploram áreas para o comércio de madeiras e de resina, no entanto, também existem algumas terras, que antes eram exploradas comercialmente e que agora estão sendo transformados em reserva. Segundo ele, os desmatamentos mais significativos foram registrados há cerca de 60 anos. “Não acompanhei tanto o avanço do desmatamento, mas sei que aqui era uma floresta muito grande de mata bem fechada, com o tempo foi diminuindo, tanto que há uns 30 anos por exemplo, o local tinha muito mais moradores, porém, com o passar do tempo mais empresas começaram a adquirir terras e a explorar os terrenos. Em volta aqui é muito forte esse setor madeireiro, e isso pode ter diminuído a área deles, mas entre os moradores quase não há exploração da mata, praticamente não ocorre derrubada de arvores”, ressaltou.

A reportagem também conversou com o biólogo Robson Odeli Espindola Hack, um dos autores da pesquisa citada acima. Ele explicou que a presença da febre amarela nas matas da região causou a morte dos animais, não apenas pela picada dos mosquitos que transmitem o vírus, como também pelas mãos humanas, porque acredita-se que os primatas sejam os transmissores da doença. No entanto, lembra o profissional que a transmissão ocorre pela picada do mosquito e não é causada pelos primatas, sendo eles vítimas, assim como os humanos.

E, conforme reforça a explicação do biólogo, a presença do vírus é altamente letal para os primatas. “Trata-se de uma doença de origem africana, que foi introduzida no Brasil através do tráfico de animais silvestres e do tráfico de escravos, ou seja, os animais que vivem aqui não evoluíram junto com o vírus, e, consequentemente não desenvolveram anticorpos para se protegerem. No caso dos bugios principalmente, caso o animal venha a ser infectado a probabilidade de sua morte é alta”, destaca.

Vale lembrar que os bugios vivem em áreas florestadas e geralmente permanecem no topo das árvores, onde também habitam os mosquitos transmissores dos gêneros Haemagogus e Sabethes. Além disso, a chamada febre amarela urbana também é transmitida pelo Aedes aegypti, (mesmo que transmite a dengue), um inseto invasor que tem padrão de comportamento mais associado aos ambientes urbanos.

Nova ‘onda’ pode significar extermínio

Segundo estudos realizados na região, os mosquitos que transmitem a febre amarela adentraram o Estado pela divisa com São Paulo, na região do Vale do Ribeira. Em Castro, inclusive, foi encontrado polígono de circulação do vírus, e atualmente o vírus está circulando em diversas regiões do Estado, especialmente na região Centro-Sul. “Foi confirmada pela Secretaria de Estado da Saúde a ocorrência do vírus em Piraquara, Cruz Machado, Clevelândia, Coronel Domingos Soares, Mangueirinha, Palmas e outros municípios do Paraná”, destaca Robson.

Mesmo ainda sendo cedo para abordar a possibilidade de uma nova ‘onda’ de febre amarela na região, já que o ciclo da doença começa geralmente perto do mês de setembro, há certo temor por parte dos profissionais desta área, sobretudo, se não forem tomadas medidas preventivas.

Se ocorrer um novo surto, o vírus pode acabar com os poucos bugios que ainda habitam a região. “A febre amarela realmente representa uma grande pressão contra os animais, eles sofrem risco bem elevado de desaparecerem da natureza, sobretudo se vier uma nova onda. Já morreram animais em grande quantidade, e por mais que em alguns locais eles já tenham iniciado uma recolonização, animais que sobreviveram antes, certamente morreriam agora”, explicou o profissional.

Robson Hack também falou sobre a importância da preservação da espécie, não somente pelo fato do bugio ser um animal que culturalmente tem o carinho e apego dos paranaenses, principalmente entre os que tiveram a oportunidade de crescer perto de matas, ouvindo ‘o ronco do bugio’, mas também porque somente com a presença dos primatas na natureza é possível identificar a presença do vírus.

A pesquisa realizada por ele e pelo médico veterinário Paulo Henrique, inclusive cita a “importância de uma abordagem de saúde única”, ou seja, a integração entre a saúde humana, saúde animal, o ambiente e a adoção de políticas públicas efetivas para prevenção e controle de enfermidades, trabalhando níveis local, regional, nacional e global. Neste sentido, o biólogo explica que não é possível dissociar saúde animal de saúde humana, citando como exemplo uma das hipóteses para o surgimento do vírus da Covid-19, onde há fortes evidências de que sua origem tenha vindo de um animal silvestre.

O biólogo destacou ainda que os bugios não são animais que ocasionam conflito em áreas de agricultura, ou seja, eles não tem por hábito se alimentar de lavouras. Sua alimentação é baseada em folhas, flores, frutos, pinhões e brotos. O fato dos bugios não serem vistos nesta época do ano nas florestas paranaenses, inclusive, é mais um indicativo de que restaram poucos animais por aqui, afinal o Paraná está em plena fase de colheita do pinhão.

Risco de extinção

A espécie Alouatta guariba clamitans já se encontrava na categoria ‘Vulnerável’ de animais com risco de extinção antes da presença de febre amarela no Estado. Com a incidência do vírus, a espécie entrou em um declínio populacional muito grande, e segundo o biólogo Robson Hack, possivelmente passará a fazer parte de uma categoria de maior ameaça quando houver a próxima avaliação por especialistas.

Foto: Divulgação / Robson Odeli Espindola Hack

Redação Página 1

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