Crônicas dos Campos Gerais: Mistério na casa 37

Crônicas dos Campos Gerais: Mistério na casa 37

Mistério na casa 37

Do lado ímpar de uma rua do Bairro Colônia Dona Luíza, fui vizinha de uma família de alemães cuja descendência tinha raízes no Volga. Construída em madeira há décadas, sobreviveu ao tempo, pela manutenção razoável. Flores e arbustos escondiam tábuas corroídas pelo tempo e pelos insaciáveis cupins que se multiplicavam. O terreno era cercado por ripas largas e grudentas do óleo queimado com o qual foram pintadas. O portão permanecia encimado por um arco entrelaçado de pequenas rosas e seus espinhos pontiagudos.

Que histórias essa casa poderia contar sobre seus jovens anos, sobre a família de seus primeiros moradores? Em épocas de escassez tiveram dificuldades para criar os filhos, alimentá-los e dar-lhes estudo. Enfrentaram a epidemia da gripe asiática no final dos anos 50, mãe e filho acometidos por ela. Febre e geada andando juntas, a caminho da farmácia no amanhecer gelado. Nos festejos de fim de ano, a animação, fartura de comida e bebida eram habituais. Às vezes alguém passava do ponto, dava vexame, sentava sobre os copos, quebrava alguns e desejava aos parentes, com a língua enrolada “Boas Entradas”! “Prost”!

Toda aquela gente foi saindo de lá aos poucos para trabalhar ou morar fora, estudar em cidades com maior potencial de crescimento, os filhos se casaram e foram embora. Os que cumpriram seu tempo de permanência neste planeta estão em sua última morada num jazigo do Cemitério São José, mas algo estranho acontece durante a noite. Alguém continua vivendo lá! Não é de carne e osso. Um fantasma vive no forro de madeira daquela edificação antiga. Ele joga bolinha de gude de madrugada sobre o forro. Cada família que alugava a casa tentava afugentar o indesejado, porém o fantasma insistia em manter-se no mesmo endereço enxotando os inquilinos. As bolinhas corriam pelo forro em toda sua extensão e batiam contra uma viga. Dali rolavam pela parede tocando o piso num ruído incessante. Recomeçava o jogo… Na Vila Hilda do Henrique Thielen havia algo semelhante que até hoje se comenta.

Durante o dia a vida parecia normal, as janelas se abriam expondo cortinas brancas de renda, um cão preguiçoso desfilava vagarosamente pelo espaço ou dormia sobre o tapete convidativo: Bem-vindo. À noite, o breu da escuridão apoderava-se de tudo e o único sinal de vida ou de morte era o som das bolinhas de gude no teto de madeira da velha casa alemã, até o raiar de um novo dia.

*Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, professora aposentada, residente em Ponta Grossa.

Redação Página 1

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