SEIS ANOS DE SILÊNCIO: Assassinato de médico em Castro segue sem julgamento e sem mandante identificado
Autor dos disparos segue em liberdade
Emerson Teixeira
Castro, uma cidade marcada por uma ferida que o tempo insiste em não cicatrizar. Seis longos anos se passaram desde a noite fria de 6 de junho de 2019, quando o respeitado médico Luiz Felipe Fiorillo, aos 66 anos, foi brutalmente assassinado. Alvejado pelas costas, sem chance de defesa, ao sair de seu consultório na rua principal da cidade para jantar. Uma execução covarde que chocou a comunidade e deu início a uma busca por justiça que, até hoje, esbarra em um muro de silêncio e morosidade.
A morte, confirmada no dia seguinte em um hospital de Ponta Grossa, deixou não apenas uma família devastada, mas uma cidade órfã de um profissional dedicado, que por mais de quatro décadas cuidou de gerações de castrenses. “Foram 40, mais de 40 anos, 42 anos de uma boa medicina bem exercida”, relembra, com a voz embargada, o filho Frederico Fiorillo, também médico. “Só escuto até hoje agradecimentos, mas o que me choca é a morosidade da justiça criminal”.

Em 2020, uma luz pareceu surgir no fim do túnel. A Polícia Civil prendeu um suspeito em Curitiba. Buscas foram realizadas. Mas a esperança logo deu lugar à frustração. Hoje, em 2025, este mesmo suspeito responde ao processo em liberdade. O julgamento? Ainda não aconteceu. Pior: o mandante, a mente por trás da ordem para matar, jamais foi identificado.
“Não foi identificado o mandante. O processo só evoluiu para julgar o executor”, afirma categoricamente o advogado João Maria de Goes Junior, que representa a família Fiorillo. Sua análise da investigação é contundente: “A polícia nunca conseguiu chegar em possíveis mandantes. Um trabalho, infelizmente, muito frágil na investigação”.
A lentidão do sistema judiciário é outro ponto de angústia. “O executor está em liberdade aguardando julgamento. Ele é da região metropolitana de Curitiba. O processo contra o executor ainda não terminou. Nem isso”, lamenta o advogado. A situação se torna ainda mais desoladora com a marcação da primeira audiência de instrução e julgamento apenas para julho de 2026. “Um absurdo e uma tristeza ainda maiores para a família. Infelizmente a justiça de Castro alega que não tem data mais próxima para a audiência”, revela Goes Junior.
As investigações apontam que o carro do suspeito, um Volkswagen Fusca segundo testemunhas na época, foi flagrado vindo de Curitiba para Castro naquela noite fatídica, passando pelos pedágios. No entanto, o executor, segundo o advogado, “não conseguiu justificar o que estava fazendo em Castro e nem o porquê de seu carro ter vindo de Curitiba para Castro naquela noite. Ele não entrega como foi e não entrega o mandante. Nitidamente havia um mandante e ele era o ‘mero executor’ da ordem”.

A falta de continuidade nas investigações, marcada pela constante troca de delegados em Castro, é apontada como um fator crucial para a falta de progresso. “Acho que esse é um dos problemas. Mudou muito de delegado nos últimos anos. Alguns deram mais importância, outros nem chegaram a agir”, pondera o advogado. A liberdade do suspeito, segundo ele, deve-se à demora em reunir provas conclusivas. “Ninguém pode ficar tanto tempo preso sem que haja uma acusação formal. Na época, ainda não tinha provas e liberaram”.
Com vinte anos de experiência na área criminal, Goes Junior traça um panorama sombrio: “O que eu vejo é que quando um crime não é solucionado de imediato, acaba caindo num esquecimento. Como a estrutura é pequena e tem muitos casos, a polícia sofre para dar conta dos flagrantes. Daí o que já aconteceu, acaba ficando”. Sua avaliação final é um duro golpe na inércia das autoridades: “Avalio como um descaso das autoridades. Uma pessoa íntegra e conhecida da sociedade de Castro foi brutalmente assassinada na rua principal da cidade e ninguém foi punido. A família não recebeu nenhuma notícia da polícia ou da justiça e já estamos fazendo um triste aniversário de seis dessa morte violenta e que deveria sensibilizar as autoridades locais”.
O que diz a família
Para a família, a dor se mistura à incredulidade e à sensação de abandono. Frederico Fiorillo, o filho caçula, desabafa: “Morosidade e o descaso é a tônica de tudo”. Ele questiona a falta de conclusão da investigação, o destino da perícia do celular do pai, as diligências incompletas. “Seis anos já se passaram, né? E até nesse período de tempo, se veja, um ano depois do assassinato do meu pai, exatamente um ano, no mesmo dia, no mesmo mês, em 7 de junho, um ano depois, nasceu a terceira neta dele, que ele nem conheceu, Ana Maria, minha filha. Exatamente um ano depois. Então, nesses seis anos, a gente teve isso de bom, de maravilhoso, de milagroso na minha vida, na vida da nossa família e, ao mesmo tempo, poucas ou quase nenhuma resposta, sabe? Principalmente por parte do judiciário”.
Frederico relembra a dedicação do pai à medicina, tanto no setor privado quanto no SUS, sua relevância social. “Ele era um médico de tanta gente… ele tinha uma função social muito relevante para a cidade… era um verdadeiro sacerdote”. A angústia pela falta de respostas é palpável: “Essa angústia permanente de não saber a motivação e o mandante do crime… um crime contra a vida tão grave, acho que nada justifica você tirar a vida de uma pessoa em hipótese alguma… foi executado sem qualquer chance de defesa, foi abatido pelas costas numa noite fria de junho”. A descrença na justiça brasileira é evidente em suas palavras: “A justiça criminal no Brasil não existe… aqui se você sair do flagrante, se tiver bom advogado, réu primário, residência fixa, você já não vai preso, já responde em liberdade, você já consegue enrolar”, lamenta.
Fernanda Fiorillo Klug, filha do médico, compartilha a mesma dor e indignação. “Para mim é até difícil escrever esta palavra -assassinato do meu pai-. A crueldade humana é sem limites. Ele foi morto de forma covarde pelas costas, com um tiro na cabeça e sem a menor chance de defesa”. Ela recorda o pai ativo, saudável, avô presente – uma das netas ele nem conheceu. “Faltou tempo, faltou vida e ele tinha muito mais a oferecer e a contribuir. Nossa família ficou despedaçada. Uma dor que nunca vai passar”. As mensagens de carinho e gratidão de antigos pacientes contrastam com a brutalidade do crime e a impunidade que se seguiu. “E a vida do meu Pai não valeu nada, ele virou uma estatística de um crime hediondo e até hoje sem solução. Estamos desamparados pelo Sistema Judiciário do Brasil, um país campeão em impunidade”. Apesar de tudo, Fernanda se apega a um fio de esperança: “Apesar dos anos terem passado, eu tenho esperança de ver o mandante atrás das grades. Espero viver para ver”.
Enquanto o tempo passa e a esperança diminui, a dor continua. O assassinato do médico Luiz Felipe Fiorillo, seis anos depois, permanece como uma ferida aberta na história de Castro. E, até aqui, sem justiça.
A Polícia Civil foi procurada pela reportagem, através de sua assessoria de comunicação em Curitiba, se posicionou a dar uma posição, mas até o fechamento da matéria não tivemos retorno.