VÍDEO – “Murilo não voltou da guerra”: um ano após a morte do castrense na Ucrânia, a mãe ainda busca respostas
Missa em homenagem ao ex-militar será realizada neste sábado (5), em Castro.
Emerson Teixeira
Castro – Uma mãe. Um telefone. Um último adeus. No dia 2 de julho de 2024, Rosângela Pavin Santos ouviu a voz do filho pela última vez. Do outro lado da linha, Murilo Lopes Santos, de 25 anos, preparava-se para “a última missão”, como ele mesmo disse, no front ucraniano. Três dias depois, ela receberia a notícia que nenhuma mãe está pronta para escutar, Murilo havia morrido em combate, lutando como voluntário ao lado das forças da Ucrânia, em plena guerra contra a Rússia.
No próximo dia 5 de julho, a Paróquia Nossa Senhora do Rosário, em Castro, realiza a missa de um ano da morte do jovem — um momento de homenagem, mas também de dor e questionamentos. A história de Murilo, ainda pouco conhecida em detalhes pelo grande público, revela a face humana de uma guerra distante, mas que carrega ecos em famílias brasileiras.
Murilo serviu o Exército Brasileiro em Castro por cerca de um ano e meio, até ser dispensado por excesso de contingente. Ainda assim, manteve o sonho de seguir carreira militar. Com apenas 23 anos, viajou para a Ucrânia no dia 3 de novembro de 2022, movido por ideais — não por dinheiro. “Muita gente o chamou de mercenário, mas quem conheceu meu filho sabe: ele era desapegado de tudo que fosse material. Ele se sensibilizou com a injustiça. Disse que o que sabia, ele não podia aplicar aqui. Lá, sim, poderia fazer a diferença”, desabafa Rosângela.
Murilo era autodidata. Falava quatro idiomas. Ministrava cursos táticos e fazia parte de um grupo chamado Projeto Athena, voltado à instrução militar e política. “Ele foi algumas vezes a São Paulo com esse grupo, sempre buscando aprimorar o conhecimento. Era incansável”, lembra a mãe.
O silêncio do Estado
O luto de Rosângela não veio acompanhado de respostas. Desde a confirmação da morte do filho, ocorrida em 5 de julho de 2024, ela tenta obter documentos oficiais. Pouco ou quase nada chegou até ela. “Recebi apenas a certidão de nascimento. Nada de passaporte, documentos militares, nada. Um amigo, de São Paulo, que também esteve na guerra, foi quem trouxe isso [numa referencia aos objetos pessoais] pessoalmente até mim, no fim do ano. O resto… sumiu”, lamenta.
A tentativa de visitar o túmulo do filho, em Kiev, capital ucraniana, também foi adiada. “Estava com a viagem marcada agora, para julho. Mas com os bombardeios constantes, me aconselharam a não ir. Ainda pretendo ir, sim. Vários amigos fizeram campanhas para me ajudar com os custos. Quero ver onde ele está enterrado. Preciso disso para seguir em frente”, desabafa.
“Ele já tinha escolhido ficar lá”
Desde que chegou à Ucrânia, Murilo dizia à mãe que se sentia acolhido. Amava o povo. Fazia planos de permanecer no país após a guerra. A ligação emocional com a nova terra era tamanha que ele se referia ao território como “casa”. A morte em combate veio antes que o sonho de reconstrução começasse.
“Ele sempre foi muito determinado. Tinha um senso de justiça que o movia. Não é porque é meu filho… mas ele era extraordinário. Inteligente, diferente. A guerra o atraiu não pelo combate, mas pelo propósito”, diz Rosângela, em meio à emoção, com pausas longas e a voz embargada.
O local, conhecido como Maidan Nezalezhnosti, abriga hoje não apenas a história da independência da Ucrânia, mas também o peso da guerra que ainda marca o país.
O adeus
A missa de um ano marca um capítulo que ainda não se encerrou para a família Santos. Em Castro, amigos, parentes e membros da comunidade católica devem prestar homenagens ao jovem que trocou a segurança de casa pelo campo de batalha. O que não se apaga, no entanto, é o silêncio das autoridades. Não houve comunicação oficial do governo brasileiro, tampouco apoio estruturado para Rosângela.
“Esses dias são os mais difíceis. Ainda espero por respostas. Ainda espero por justiça. Ainda espero por paz”, conclui a mãe.
Guerra
A Guerra na Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro de 2022, já causou centenas de milhares de mortes. Brasileiros que se alistaram para lutar ao lado dos ucranianos formam uma minoria pouco documentada e praticamente invisível diante da diplomacia oficial. A história de Murilo escancara essa ausência. Uma ausência que, para sua mãe, pesa tanto quanto a morte.
Homenagem
Rosangela preparou uma carta que seria lida ao final da missa, mas foi informada que a igreja católica não permite. Confira na íntergra:
“Carta a um herói
Um ano se passou desde que você nos deixou, e partiu para aquela que sem dúvida seria a sua última e principal missão.
Nós aqui ficamos sem chão, e sem compreensão, mas acreditando que agora você está em um lugar melhor, sem dor e sem sofrimento, e isso talvez seja o que nos console.
Você se foi, mas o seu legado ficou = um menino forte, inteligente, intenso, destemido, corajoso, determinado e certamente obstinado em perseguir e realizar os seus sonhos!
Murilo deixou o seu nome marcado na história e mais ainda nos nossos corações. Foi um Homem, um menino, um companheiro, um amigo, um irmão, um soldado, um filho, um neto, um herói! Você foi tudo isso em um só!
A nós agora nos resta seguir em frente, na esperança e fé de que um dia nos reencontraremos, e com muito amor e muitas saudades honraremos o seu nome agora e para sempre!
Com amor… Sua família e seus amigos”.