Luana Dias
Há exatos seis meses Castro registrava o primeiro caso de Covid-19. De lá para cá, o município viveu dias muito diferentes, e algo invisível, do qual muito se ouvia falar, mas pouco se sabia a respeito, passou a causar um temor estranho nas pessoas. O vírus marcou presença no município em pleno mês de março, quando os dias eram ensolarados e tinham como característica, finais de semana movimentados, muitas pessoas nas ruas e, locais como o Parque Lacustre, por exemplo, cheios e coloridos, e sendo palco das mais diversas atividades. De repente, os adultos que corriam nas pistas, as crianças que se reuniam para tomar sorvete e brincar, os jovens que se encontravam para o basquete, os casais apaixonados e os amigos, os sons e as cores, foram dando lugar a um silêncio, no mínimo assustador.
Aos sábados à tarde a Rua Doutor Jorge Xavier da Silva, que costuma estar cheia e barulhenta, passou a ficar vazia e calada. Os locais públicos, pontos comuns de encontros, passaram a ficar isolados, e o comércio, que estava em tempos de aceleração e recuperação, sofreu freada brusca e não planejada. O vírus avançou ano adentro, passou outono e inverno por aqui, mudou o cenário, que aos poucos volta a parecer normal; mudou as rotinas, que agora passam por adaptação, mudou o ritmo com que as pessoas se movimentam no dia a dia. Fez muitas vítimas, na cidade, na região, no Estado e no País. Hoje, meio ano depois, ainda é um inimigo comum e importante, porém, contra o qual já existem armas em desenvolvimento e teste.
Castro, que começou com um caso isolado, de um paciente que nem no município estava, já passou dos 1.500 casos registrados, e perdeu 11 vidas em função da pandemia. Outras cidades da região, no entanto, registraram números bem mais expressivos. Em Ponta Grossa, por exemplo, até na segunda-feira (28), já eram 5.012. Em alguns municípios, o número de casos registrados diariamente vem diminuindo, mas em parte deles esses números ainda estão em ascensão. Há cidades onde as medidas de segurança e de controle do vírus ainda são bem respeitadas, outras, porém, já relaxaram e fazem com que um ar de normalidade venha a fazer parte da rotina. Contudo, os profissionais da área de saúde afirmam que ainda não é hora de relaxar, nas cidades da região, assim como em todo Estado, a pandemia do novo coronavírus ainda pode fazer muitas vítimas, se as pessoas deixarem de cooperar, afinal, como bem lembra o diretor da 3ª Regional de Saúde, Robson Xavier da Silva, ainda não há uma solução comprovada. “Não temos uma vacina ainda, e não temos medicamentos que comprovadamente possam ser usados com segurança para conter os efeitos da doença. Temos que retornar de forma segura às nossas atividades, temos que adotar protocolos e segui-los”, destacou.
Ele também comentou a forma diferente como o vírus se comporta nas cidades, e lembrou que, por enquanto o que de fato dá resultados, são as mesmas medidas recomendadas lá no início da pandemia. “Observamos um comportamento diferente em cada um dos países e nas diversas regiões do País, que se estende também dentro das regiões. Já ultrapassamos os 180 dias de enfrentamento, as medidas que foram adotadas deram certo em nossa região, mas estamos observando que medidas e comportamentos têm se flexibilizado. Em boa medida, quanto mais baixos são os níveis de isolamento e distanciamento, quanto mais a população se aglomera, mais casos e óbitos são registrados. Assim, a recomendação que fazemos ainda é lavar as mãos com água e sabão, usar sempre que possível álcool em gel 70%, evitar aglomeração e usar máscara”, finaliza.
Histórias de quem viveu na pele
Se a pandemia do coronavírus irá deixar marcas na vida dos cidadãos do século XXI, certamente, irá marcar de forma ainda mais profunda a história de quem foi infectado pelo vírus e sentiu na pele os efeitos da doença. O isolamento físico total, inclusive, em plena era de convívios intensos. Ana Paula Heidmann Rudeck esteve entre os que viveram essa experiência. Ela descobriu que havia contraído Covid-19 no mês de junho, após fazer exame de sangue, e precisou ficar isolada por 14 dias, convivendo apenas com a mãe e a irmã, com quem mora. Seu avó, que vive na mesma casa e testou negativo para a doença, passou esse tempo na casa de uma tia.
Apesar de não ter tido sintomas graves, Ana sofreu com um medo comum entre as pessoas que foram infectadas, afinal, saber que se tornou vítima de uma pandemia que já tirou a vida de milhares de pessoas em todo mundo, não é uma experiência tranquila de se enfrentar. “Na parte da noite parece que eu me sentia mal, não conseguia dormir direito, por ter medo de no outro dia acordar pior, com os sintomas mais fortes da doença, acredito que tudo foi meio psicológico, por estar com medo. Quando descobri que meu teste deu positivo, despenquei no choro, o medo tomou conta de mim. Fiquei com medo de em algum momento ficar mal, ter falta de ar, por exemplo, e precisar de UTI. Eu dormia rezando para que no outro dia estivesse boa, principalmente por saber que não tem cura, nem medicamento específico, e que meu organismo teria que reagir sozinho contra o vírus. Meus pais me acalmaram e graças a Deus passei pela doença, sem sintomas graves e sem sequelas, mas o susto sempre estará em minha memória, nunca pensei que pegaria, sempre me cuidei, cumpri o isolamento, trabalhei em home office, e mesmo assim contraí o vírus”, descreveu ela.
Já a cabeleireira Marizethe Schislowiscz não chegou a se infectar, mas um primeiro exame, que deu resultado falso positivo, a isolou de toda família e das clientes, com quem tanto gosta de conviver, também por 14 dias. Ela, que mora sozinha, contou à reportagem que desde o momento em que soube que havia testado positivo, isolou-se completamente, e que nesse período enfrentou dias difíceis, acreditando estar doente, ficando longe de todos e, ainda assim, com medo de precisar de ajuda, e acabar infectando outras pessoas. “É impressionante, mesmo tendo sido um resultado errado, parece que você está mesmo contaminada. Quando soube, passei o cadeado no portão imediatamente, parei de atender as minhas freguesas, e avisei aos meus filhos para não irem à minha casa, deixei de ir dormir na casa da minha mãe, com quem eu sempre fico à noite, e passava a noite toda com o termômetro do lado, conferindo a temperatura. Mas, comecei a não dormir, sofria com uma pressão psicológica, acreditando que estava doente, tomava vários banhos, me sentindo suja”, relatou ela.
Como Marizethe não apresentou nenhum sintoma com o passar dos dias de isolamento, seus filhos começaram a questionar o resultado do exame, que ela havia feito através dos agentes de saúde da prefeitura, na fase de testagem em massa, promovida pelo município. Ela então foi submetida a um exame do tipo PCR, feito por profissionais de um laboratório particular, que foram até sua casa. O novo resultado deu negativo, porém, ela só foi liberada do isolamento depois de fazer um terceiro exame, e cujo resultado também foi negativo, só que dessa vez, no Posto de Saúde de seu bairro.
A experiência também despertou outro medo em Marizethe. Mesmo sem ter certeza da contaminação pelo vírus, ela temeu pelo preconceito das pessoas. Este temor tem uma explicação, em Castro, assim como em outras cidades onde foram registrados casos, meios de comunicação como as redes sociais foram usados para hostilizar pessoas que foram infectadas. Além da doença, elas também tiveram que lidar com o julgamento e com críticas populares, que em nada contribuíram com a recuperação dos pacientes. “É uma sensação muito ruim, tinha medo dos sintomas e medo do preconceito. Esses exames, que deram falso negativo e que, infelizmente não ocorreram só comigo, acabam brincando com o psicológico das pessoas”, desabafou.