Biotecnologia e edição gênica projetam futuro da agricultura global
Especialistas destacam avanços, desafios regulatórios e a importância da cooperação internacional para garantir inovação e segurança alimentar
Da Assessoria
Brasília – Na rodada de palestras sobre Inovação em Melhoramento de Plantas e Edição Gênica, Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja, destacou como a biotecnologia vem transformando a agricultura e o setor de sementes. Ele lembrou que a Lei de Biossegurança do Brasil é considerada uma das mais completas do mundo, pois estabelece critérios claros para pesquisa, produção e comercialização de organismos geneticamente modificados. Além de criar a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), responsável pela análise de riscos ambientais e à saúde, a lei conseguiu equilibrar segurança e inovação, servindo de referência internacional: “acredito que muitos países tenham olhado para a lei por ser completa”, ressaltou Nepomuceno. O congresso foi organizado pela Seed Association of the Americas (SAA) em parceria com a Associação Brasileira de Sementes e Mudas (ABRASEM),
Ao abordar os avanços já consolidados, ele citou o papel dos transgênicos na viabilização do plantio direto no Brasil e na Argentina, prática que reduziu a erosão e aumentou a sustentabilidade, bem como a queda considerável no uso de inseticidas nos últimos dez anos. Diferenciou ainda os transgênicos dos organismos com genoma editado, destacando que novas tecnologias, como a edição de genes por ferramentas como CRISPR (tecnologia de edição genética), abriram caminho para soluções mais precisas e diversificadas. Entre os exemplos citados estão variedades de milho ceroso, soja, tomate, tilápia e até bovinos nelores com genoma editado. No cenário internacional, destacou casos como bananas nas Filipinas, soja nos Estados Unidos e trigo no Chile.
Para o pesquisador, essas inovações apontam para uma nova etapa da biotecnologia agrícola: “estamos vendo uma diversificação de características, de qualidade nutricional, e o florescimento de startups, trazendo novas soluções e oportunidades para o mercado”. Entre os projetos em desenvolvimento, ele mencionou alimentos de consumo direto com benefícios ao consumidor, como “abacate que escurece mais devagar, tomate com mais vitamina B e amora sem sementes”, exemplificando o potencial transformador da edição gênica.
Comércio global sob pressão
Na palestra “A visão de um elo fundamental na cadeia de valor: os grãos”, Alejandra Castillo, presidente da Associação Norte-Americana de Exportação de Grãos, destacou os desafios atuais do comércio agrícola internacional. Segundo ela, “os novos regimes de salário e políticas intervencionistas estão criando barreiras e incertezas; a consequência são riscos e a necessidade de novas negociações comerciais”. Castillo defendeu que “a melhor maneira de evitar disputas e rupturas é a partir de um processo regulatório harmônico e inclusivo, em que os governos deveriam unir-se, e nossas empresas participarem de congressos e eventos relevantes para que esses temas sejam discutidos”.
Ela também chamou atenção para o papel da comunicação e da educação no setor: “a indústria sementeira e a indústria tecnológica devem atuar juntas na educação para explicar sobre as sementes modificadas, porque nos últimos anos estamos retrocedendo na ciência. Estamos tendo que explicar que alimentos que estão há décadas no mercado são seguros para os seres humanos e para os animais”.
Avanços e desafios regionais
Em sua apresentação, Miguel Angel Sánchez, diretor executivo da ChileBIO, fez um panorama do setor, citando exemplos de alimentos como a amora para ilustrar a diversidade do melhoramento vegetal. “A edição gênica é uma realidade na agricultura e avança a passos gigantescos atualmente”, disse, mas ressaltou que é preciso aprimorar os procedimentos regulatórios regionais e trabalhar na percepção pública, já que a aceitação social das novas tecnologias é determinante para seu sucesso no mercado.
Na palestra “Editando o Futuro”, Jorge Venegas, Diretor de Operações de Frutas Vermelhas da América Latina (Pairwise Plants/EUA), destacou que o mercado de edição gênica já movimenta cerca de 600 milhões de dólares e que a tecnologia se consolida como uma ferramenta estratégica. “Nem toda parceria é exitosa se não tiver foco e objetivos claros, alinhando as expectativas entre o setor público e o privado”, afirmou, reforçando que universidades, centros de inovação e empresas estão investindo fortemente para levar benefícios também a pequenos agricultores.
Na sequência, Dália Lewi, pesquisadora chefe do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária da Argentina, lembrou que os avanços recentes só foram possíveis “graças a todos os anos de investimento em tecnologia e evolução científica”. Citou pesquisas com trigo, batata, tomate, alface, cevada e arroz, reforçando que políticas públicas e colaboração com a iniciativa privada são fundamentais para transformar descobertas em soluções efetivas para a agricultura.
Regulação e fitossanidade
No painel “Panorama regulatório de edição gênica”, especialistas como Cecília Roca (Corteva), Miguel Vega-Sánchez (Bayer) e representantes de entidades internacionais debateram os desafios da harmonização regulatória global. Já no painel de fitossanidade, autoridades do Brasil, Chile, Argentina, Colômbia, Equador e Estados Unidos compartilharam experiências de certificação e estratégias para garantir a movimentação segura de sementes.
No painel final, “Sementes na encruzilhada”, moderado por Daniel Bayce (INASE, Uruguai), palestrantes conectaram o papel das sementes às negociações climáticas e tratados internacionais. Lorelei Garagancea (Federação Internacional de Sementes-ISF) alertou que “não há tempo a perder” e Richard Winn, presidente da SAA, enfatizou a necessidade de coesão internacional e planejamento estratégico para enfrentar os desafios climáticos e regulatórios.
Representatividade continental
Representantes de associações de sementes de países como Brasil, Argentina, China, Estados Unidos, Canadá, Chile, México, Peru, Paraguai, Uruguai, Colômbia e Equador, Índia, França, Suíça, Namíbia, Países Baixos, Eslováquia e Bélgica. Essa diversidade reforça a posição do congresso como o principal fórum de integração e inovação agrícola das Américas.
Análise e perspectivas
O encontro revelou que a edição gênica e a biotecnologia já não pertencem ao futuro, mas ao presente da agricultura. Se de um lado os exemplos apresentados mostram ganhos em produtividade, sustentabilidade e saúde, de outro, a regulação fragmentada e a resistência social ainda são obstáculos a superar. A mensagem central das palestras foi clara: ciência, inovação e cooperação internacional precisam caminhar juntas. A agricultura que se desenha é mais tecnológica, integrada e resiliente — mas seu sucesso dependerá da capacidade de construir confiança entre governos, empresas, produtores e consumidores.