Emerson Teixeira
A virada do ano novo é marcada por reuniões familiares, de amigos em clubes, espaços públicos para celebrar o réveillon, e por muito tempo um dos pontos altos após a contagem regressiva era a queima de fogos de artifício sonoros para dar as boas-vindas ao novo período, prática que está proibida em todos os municípios da abrangência do Jornal Página Um, com exceção de Ponta Grossa.
A legislação aprovada pela maioria das câmaras municipais proíbe a utilização de fogos de artifícios que gerem efeitos sonoros ruidosos e prevê a permissão para o uso de artefatos com efeitos, luzes e cores, só com a produção do efeito visual. O levantamento realizado pela reportagem pode constatar que o ano de 2019 ficou marcado pelo início da aprovação das leis nas Casas de Leis dos municípios da região.
Em Carambeí, um dos municípios pioneiros na regulamentação, sancionou em novembro de 2019 a lei municipal 1.303/2019 que proíbe o manuseio, a utilização, a queima e a soltura de fogos de estampidos e de artifícios, assim como de quaisquer artefatos pirotécnicos de efeito sonoro ruidoso. O vereador Paulo Valenga (PDT), um dos autores do projeto de lei lamenta que até hoje não seja realizada a fiscalização no município. “Uma das justificativas é a falta de funcionários para fiscalizar. Na época eu solicitei para que fosse distribuída essa lei no comércio, principalmente para os que vendem fogos de artifício, para terem conhecimento da lei, mas até hoje essa lei não foi entregue. Era o mínimo que tinha que ter sido feito, informar e explicar que só é permitida a venda dos luminosos, sem barulho”, aponta Valenga.
Ele ressalta que a lei foi criada pensando na proteção de crianças com autismo, idosos e animais, além do perigo que os fogos apresentam, com vários acidentes, com pessoas que tiveram membros amputados e perda de audição.
Autismo
Tatiana Oliveira, mãe de um menino de nove anos com autismo leve, lembra quando descobriu que ele tinha o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Foi durante uma visita à escola, “no dia estavam realizando reparos no local e o barulho da furadeira incomodava muito ele, mas ele não sabia explicar, chorou não queria ficar na escola, e todo dia voltava chorando para casa, por conta de outros barulhos”, recorda. A mãe conta que o pior período para eles é o final de ano onde as pessoas soltam foguetes e outros tipos de artefatos como se não tivesse nenhuma conscientização sobre o autismo. Ela relata que no caso do filho dela, barulhos como latidos de cachorro, buzina de veículos, ronco de motos com o escapamento aberto, estouro de bexigas e foguetes incomodam muito a criança.
“Ano passado, na virada, ele teve uma crise tão forte. Eu nunca tinha visto nada igual como foi no ano passado, ele chorava, gritava, eu coloquei um fone de ouvido nele com música, nem assim consegui acalmar meu filho, ele gritava, estremecia no meu colo, chorava e perguntava ‘porque mãe, porque?’. Quando eu finalmente consegui acalmar ele, passou alguém na rua de moto e estourou um foguete no portão de casa, voltou a crise, demorou mais um tempo para acalmar ele, eu não tive um final de ano, eu tive só a preocupação, porque não tem como evitar, é um período difícil, ele fica com muito medo, fica revoltado, não tem o que fazer, apenas abraçar ele e esperar passar. Não adianta dar calmante, não adianta tentar explicar, nesse momento ele não vai entender explicação nenhuma, pelo menos com meu filho é assim, é bem complicado. As pessoas, acham que é frescura, que é chatice. Só com acompanhamento de um profissional pra conseguir entender o lado da dele. Parece ser uma coisa tão simples pra gente, mas pra ele não, no caso do meu filho, ele tem audição muito aguçada, ele consegue saber que uma bateria está desafinada só de ouvir”, relata.
De acordo com a secretária municipal de Educação e Cultura, Kátia Harms, em torno de 30 crianças portadoras do Transtorno do Espectro Autista estão matriculadas nas escolas municipais de Carambeí.
Municípios
Chega o período do fim de ano e com isso as movimentações em torno do tema, a Câmara Municipal de Jaguariaíva se antecipou e em maio de 2019, aprovou o projeto de lei proposto pelo vereador Rafael de Souza e proibiu a comercialização e manuseio de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que produzam barulhos. A lei municipal prevê multa, interdição de estabelecimento, cassação de alvará e outras sanções para quem desobedecê-la. Palmeira também aprovou em 2019, no mês de dezembro, a proibição da utilização de fogos no município.
Em Castro a regulamentação municipal foi aprovada em 2020 e promulgada pela então presidente da Câmara Municipal, a vereadora Fatima Castro. Neste caso a lei não foi sancionada pelo prefeito da época Moacyr Elias Fadel Junior. O autor da lei é o vereador Gerson Sutil e prevê além da proibição da comercialização e utilização, a fabricação de fogos de estampidos e de artifícios.
Segundo o artigo 3º da lei, “o descumprimento ao disposto nessa lei acarretará ao infrator a imposição de multa na monta de R$ 2.000,00 (dois mil reais), valor que será dobrado na primeira reincidência e quadruplicado a partir da segunda reincidência, entendendo-se como reincidência o cometimento da mesma infração num período inferior a 30 (trinta) dias”. A regulamentação da lei ficou a cargo da Prefeitura de Castro.
O ano de 2021 foi marcado pela aprovação da leis com a proibição da queima, soltura e manuseio de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos de alto impacto ou com efeitos de tiro nos municípios de Tibagi, proposição do vereador João Paulo Ribas, em Piraí do Sul, através dos vereadores Mariana Zadra, Silvia Dalcol e Rogerio Santos. Já em Telêmaco Borba a lei aprovada foi de autoria dos vereadores Elisangela Rezende Saldivar, Anderson Antunes, Antonio Marco de Almeida, Antonio Siderlei Siqueira, Felipe Pedroso da Silva e Klecius dos Santos Silva. No norte pioneiro, em Arapoti, o projeto de proibição foi apresentado pelos vereadores Vereador Jean Carlos Klichowski e Vereador Wesley Carneiro Ulrich.
Ponta Grossa
A maior cidade da região não conta com uma legislação municipal, pelo contrário, a Câmara da cidade adiou a aprovação da lei que já celebra aniversário de três anos de tramitação. O Projeto de Lei 16/2021, que proíbe a queima de fogos de alto estampido, de autoria da Vereadora Josi Kieras, do Coletivo do PSOL, foi o primeiro a ser protocolado pelo Mandato Coletivo, na Câmara Municipal.
Existia a expectativa que o projeto fosse apreciado antes do recesso legislativo Ponta-grossense, mas recebeu uma emenda de última hora, por parte do Vereador Paulo Balansin, o que impossibilitou a votação desse projeto de lei, ainda em 2022.
A autora do projeto usou a tribuna da Casa de Leis para demonstrar sua total indignação com a demora na aprovação da proposta que, segundo apontou ela, de extrema relevância e urgência, para proteger pessoas acometidas pelo transtorno do espectro autista e animais, ser mais uma vez negligenciado, em benefício dos empresários do ramo, que reforçaram seus estoques, por conta das vendas alusivas à Copa do Mundo e virada do ano.
“Até quando Ponta Grossa sempre vai pensar em estoque de empresariado? Nós já estamos cansados de sofrer, em detrimento de empresários, industriários, dos donos dessa cidade!”, desabafou a parlamentar Josi Kieras, que recebeu, em suas redes sociais, grande apoio de associações e familiares de pessoas acometidas pelo transtorno do espectro autista, bem como de protetores e ONGs da causa animal.
País
No Brasil, ainda não existe uma legislação federal especifica para o tema. Está em análise no Senado o projeto de lei (PL 5/2022), que prevê a proibição, em todo o território nacional, do uso e comercialização de fogos de artifício que produzem barulhos a partir da explosão de pólvora.
Segundo a Agência Senado, a proposta de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) não proíbe a utilização de fogos visuais, mas veda a fabricação, o comércio, o transporte e o manuseio dos fogos de artifício e de outros artefatos pirotécnicos que produzem barulhos, seja para uso em áreas públicas ou locais privados. A produção e o armazenamento em caso de exportação seguem autorizados.
O objetivo do projeto, segundo o parlamentar, é a proteção dos animais, que em alguns casos sofrem de problemas de saúde causados pelo estrondo dos fogos. Além dos animais, Randolfe destaca o impacto negativo junto às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que possuem hipersensibilidade sensorial ao barulho provocado por esses artefatos.
Os ruídos dos fogos de artifício com estampido podem alcançar de 150 a 175 decibéis. Contudo, o limite suportado pelo ser humano é de 120 a 140 decibéis, considerado o limiar da dor. É o que descreve o parlamentar na proposta.