Família de venezuelanos em Castro diz que o Brasil vive um momento bom e não se pode fechar os olhos

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Emerson Teixeira

Estados Unidos e México anunciaram nesta quinta-feira (13) um plano para conter o número crescente de venezuelanos que cruzam a fronteira compartilhada entre os países da América do Norte. Será permitido que os EUA deportem venezuelanos para o México, para que estes aguardem a liberação da entrada legal, por outro lado os americanos concedem acesso humanitário a milhares deles por via aérea. É mais um capítulo da maior crise humanitária da história da Venezuela.

Segundo um relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime que fez um levantamento do número de refugiados venezuelanos no Brasil, entre janeiro de 2017 e agosto de 2020, o país acolheu 609.049 venezuelanos. De lá para cá, os números só aumentaram, segundo o Ministério da Cidadania, até junho deste ano, 12.510 migrantes foram acolhidos em diversos municípios do país.

O venezuelano José Antonio Hurtado, 32 anos, fez um longo trajeto até chegar no Brasil. Em conversa por telefone e aplicativo de mensagens com a reportagem do Página Um News, ele contou como foi a jornada, desde sua partida de Caracas, capital da Venezuela, onde ele vivia com a esposa e um casal de filhos.

Morando no Brasil desde janeiro deste ano, ele já se comunica através da língua portuguesa. “Eu vim para o Brasil pela situação gerada pelo governo Maduro, passamos muita necessidade, não há trabalho, o dinheiro não tem valor. Decidimos vir para o Brasil em busca de um futuro melhor, para trabalhar, para ter nossas coisas, porque em Venezuela não se pode ter, é socialismo, comunismo, tudo vai muito mal”, conta.

Antes de vir para o Brasil, José partiu a pé de Caracas em direção à fronteira com a Colômbia, numa caminhada de mais de 800 quilômetros. “Eu sai primeiro do país, depois veio minha esposa e filhos. Sai caminhando, sem dinheiro para passagem, para comer, pedia esmola pelo caminho. Sai de Caracas, em 5 de julho de 2017, fui a Colômbia onde fiquei três meses, trabalhei para comer, depois fiquei uma semana no Equador, até que cheguei em Lima, no Peru, lá trabalhei, juntei dinheiro e consegui levar minha família para o Peru, ficamos 5 anos lá, depois de lá para o Brasil”, relata.

Hurtado conta que decidiu vir para o Brasil porque a vida no Peru também estava difícil, segundo ele, foi vítima de xenofobia e era muito difícil conseguir a documentação para regularizar a situação no país, além de ser cara, demorava em torno de três anos para emissão. Em contato com um amigo que estava no Brasil, em Curitiba, ouviu que pelas terras brasileiras existia muita oferta de trabalho com carteira assinada e a documentação era fácil de obter. “Peruano muito mal, muita xenofobia, Colômbia muita delinquência, muitas drogas e violência e no Equador também tem muito preconceito com venezuelanos”, cita.

Ele lembra que a vida era boa na Venezuela, “trabalhava como pedreiro, estava bom, tinha minha moto, mas a partir de 2014 a coisa começou a ficar feia, em 2015 piorou, 2016 não aguentei mais, o dinheiro não alcançava, eu ganhava 400 reais na semana e o quilo do arroz custava 300 reais, tudo estava muito caro”, relembra.

O pai de Hurtado é falecido, a sua mãe também migrou com as irmãs para o Peru, alguns tios ainda estão na Venezuela, mas querem sair do país. Primos e amigos migraram para Peru, Chile e Estados Unidos.

Brasil

José Antônio vai comemorar os 33 anos de vida no próximo mês em terras castrenses, ele mora no interior do município, onde ele e a esposa, com 30 anos, conseguiram trabalho em uma fazenda. Os filhos do casal frequentam uma escola municipal.

Ele conta que gosta do Brasil e que aos poucos está se adaptando com a língua portuguesa, “compreendo o que falam”, e conta que fala pouco por receio de não ser compreendido. ”É algo muito forte, deixar tudo para trás, a casa, a família, encarar a cultura de outro país, muitas coisas novas, pessoas diferentes, idioma diferente, é começar uma nova vida”, comenta. Mas projeta o futuro dele e da família no Brasil. “Eu com Venezuela não quero nada, penso no futuro ficar em Brasil, comprar minha casa, carro”, projeta.

Em dado momento da conversa, o venezuelano envia uma foto com a imagem de Nicolás Maduro (atual presidente da Venezuela), Hugo Chavez, (ex-presidente já falecido) e o ex-presidente do Brasil, Luis Inácio Lula, com a mensagem, o motivo da minha vinda para o Brasil e declara que se morasse no Brasil, seu voto seria no candidato a reeleição, Jair Bolsonaro e faz um desabafo.

“Eu votaria Bolsonaro, Lula é um corrupto da turma do Maduro, Hugo Chavez, não quero que o Brasil passe nada que passa a Venezuela, não digo por mim, eu migrei, mas porque sei das dificuldades que é ter que deixar o país, aprender outra língua, não quero que Lula ganhe. As pessoas na Venezuela comem restos de lixo, estão comendo as sobras, porque é muita gente que não tem dinheiro para comprar alimentos, famílias com cinco, seis filhos não conseguem, recorrerem ao lixo para se alimentar, comem animais, é triste, mas é verdade, muita coisa feia”, conta.

Personagens

O agropecuarista Rubens Doi é quem contratou o casal de Venezuelanos e os acolheu em sua propriedade. Ele conta que seu cunhado recebeu a ligação de um amigo de Curitiba que relatou que um casal de refugiados precisava de trabalho e como na região existe uma carência por mão de obra ele decidiu dar uma oportunidade de trabalho para o casal, que também receberam o benefício da moradia, além do salário.

Rubens conta que reuniu os funcionários para que José Antonio explicasse os motivos que o levaram a sair da Venezuela com a esposa e filhos. “O que mais impactou no relato dele foi quando contou que a situação está tão grave em relação a falta de alimentos que se cachorro latir vira comida”, citou. O produtor lembrou que a Venezuela já foi o terceiro país mais rico do mundo e agora enfrenta essa crise humanitária sem precedentes na história dos venezuelanos e que o novo funcionário fez apontamentos graves, que se estivesse em seu país não poderia dar entrevistas, é um país fechado.

Ele cita que o testemunho de vida de Hurtado serve como reflexão para o momento que vive o Brasil. “Nesse momento é muito importante perceber a validade das coisas a nossa volta, não podemos fechar os nossos olhos, precisamos tomar uma atitude positiva, com consciência política, valorizar o que temos no país, transformar o Brasil do futuro, no Brasil do momento, estamos num momento bom, mesmo com a pandemia, com a guerra da Ucrânia, estamos produzindo alimentos para o mundo, gerando empregos e renda”, declara.

Cáritas

Outras famílias de venezuelanos estão instaladas no município de Castro e na região dos Campos Gerais. O consultor de gestão, Rodrigo Moraes da Silva, é um dos personagens que contribui para o recomeço das famílias de refugiados na região. Ele conta que através de uma conversa com o Padre Martinho, ex-pároco da Igreja Matriz Santana, em Castro, ficou conhecendo o trabalho da Cáritas, uma organização da Igreja Católica, que presta assistência para refugiados e foi possível proporcionar emprego para uma segunda família de venezuelanos.

A assistente social da Cáritas Diocesanada de Ponta Grossa, Érica Francine Pilarski Clarindo, relata que só em 2022 já realizaram o atendimento de aproximadamente 500 pessoas migrantes, só na região que faz parte da Diocese. “Como a Cáritas é diocesana, nós atendemos a Diocese, vem gente de Castro, Ivaí, de Telêmaco [Borba], Irati. O primeiro contato que nós fazemos e o nosso principal trabalho nesse momento é a regularização migratória, eles chegam na Cáritas para que possamos regularizar a situação deles aqui, seja pedir autorização de residência ou a solicitação de refúgio ou até mesmo para renovar os documentos que eles já têm. Esse é o nosso papel, de organizar essa documentação, para que eles fiquem regulares aqui no Brasil e possam seguir com suas vidas. Durante a conversa com eles, nós vamos fazendo outras atividades como rodas de conversa, aulas de português em parceria com a universidade, vamos aumentando o trabalho conforme a demanda que eles trazem para nós”.

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