Neste 1° de Maio atípico – Trabalhadores da linha de frente compartilham suas experiências

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Luana Dias

Há mais de um ano a pandemia do coronavírus vem alterando a rotina de trabalhadores nas mais diversas áreas. Em geral, o ‘novo normal’ exigiu que profissionais em diferentes segmentos se reinventassem, alguns tiveram que aprender a lidar com a tecnologia, para dar conta de demandas tradicionais, outros ainda, passaram a fazer o chamado home office. Esse termo em inglês que significa ‘escritório em casa’, passou a fazer parte da rotina diária de muitos profissionais de um ano para cá, mas não se aplica a todas as realidades, existem atividades que exigem a presença do profissional, para que sejam desempenhadas. Homens e mulheres que estão à frente dessas ocupações acabam sendo mais expostos ao risco de contaminação pelo vírus. É o caso dos trabalhadores da área da saúde, profissionais que se responsabilizam pela limpeza dos ambientes (empresariais, industriais, hospitalares, por exemplo) e limpeza pública, pela alimentação, trabalhadores do transporte, do agronegócio, da imprensa, da segurança pública, distribuição de água e energia, manutenção entre outros.

Nesta edição, dia do trabalhador, são narradas as experiências de alguns desses profissionais. Cada um, a partir de sua realidade e de seu ponto de vista, contou à reportagem sobre desafios, temores e superações provenientes de seus ambientes de trabalho na pandemia. Os trabalhadores entrevistados também falaram sobre o que os motiva a enfrentar diariamente a rotina que enfrentam.
Alberto Selmer é um desses trabalhadores, ele é motorista de aplicativo e trabalha de 12 a 13 horas por dia, o tempo todo com pessoas diferentes das de sua convivência. “A rotina é puxada sempre e esse trabalho nos expõe muito ao risco por vários fatores. Primeiro porque estamos na rua o tempo todo, mesmo dentro do carro, acabamos expostos e em contato com muitas pessoas, e que muitas vezes não são responsáveis na questão da prevenção. Inclusive, já vivenciei várias situações de pessoas que entram no veículo e questionam a necessidade do uso da máscara, por exemplo, ou dizem ter esquecido a máscara em casa. Sempre fico com pouco de receio porquê de modo geral, grande parte da população não tem tomado os devidos cuidados com a prevenção, mas, como se trata de um serviço essencial e também porque não temos outra opção de renda, a gente acaba encarando, mesmo com esse medo”, destaca ele.

Ao falar do seu dia a dia e dos riscos as quais está exposto, Alberto recordou um episódio que o surpreendeu. “Uma empresa grande daqui me ligou pedindo para eu levar um funcionário até Ponta Grossa, questionei a necessidade e a pessoa que fez o contato, comentou que era para a realização de um exame médico, questionei se não era suspeita ou caso confirmado de Covid-19, e a pessoa confirmou que sim, tratava-se de um funcionário que havia testado positivo. Isso me surpreendeu pelo tamanho da irresponsabilidade da empresa, ao ligar para um transporte de aplicativo, solicitando o translado de um funcionário que testou positivo para Covid sem informar essa situação. Se eu não tivesse perguntado, não teria nem ficado sabendo, ou seja, estamos muito expostos ao risco”, relatou o motorista, afirmando que se tivesse outra alternativa, escolheria ficar em casa enquanto dura a pandemia, para resguardar sua saúde e a de sua família. “Se houvesse apoio efetivo por parte do poder público, por exemplo, seja ele municipal, estadual ou federal, com certeza eu ficaria em casa, se tivesse essa possibilidade, qualquer pessoa com responsabilidade faria essa escolha de se preservar”, finaliza.

Outro profissional que também falou de suas experiências foi o produtor rural André de Freitas. Ele, que foi infectado pelo coronavírus e chegou a ficar internado por quatro dias, também falou sobre o processo de recuperação e sobre a superação pós-Covid. A rotina de André se divide entre a lavoura, as viagens de caminhão, e as negociações compra e venda de cereais, alternando de acordo com o período do ano. “No período de safra eu fico mais tempo visitando lavouras e os produtores parceiros, e fora de safra o foco é mais na compra e venda dos cereais. Nesse período eu também viajo bastante com o caminhão”, descreve.

Foi em uma dessas viagens que André acabou sendo infectado pelo coronavírus. O diagnóstico demorou mais que o esperado, ele acabou sendo hospitalizado e enquanto lutava pela sua recuperação, também teve que conviver com o medo de transmitir a doença para os familiares, com quem convive na mesma casa – os pais, o filho de quatro anos e a esposa. “Fui infectado provavelmente enquanto trabalhava, quando fui levar uma carga de resíduo para Cerro Azul. A princípio tive sintomas de rinite, fiquei por 15 dias em casa tratando, mas o caso foi se agravando e tive que procurar médico, aqui em Castro, num final de semana, consultei, mas ainda fiquei em casa. Na segunda-feira vi que não estava nada bem e fui para Ponta Grossa, onde acabei ficando quatro dias internado. Cheguei a ficar na UTI e depois fiquei mais uma semana em casa, em isolamento, só então fui liberado para voltar às atividades. Minha recuperação foi rápida a partir de quando comecei a ser medicado, mas ainda fiquei me sentindo um pouco cansado e com bastante dor no corpo, e, senti muito medo, tanto por mim como por meus familiares, meus pais, meu filho e por minha esposa.

Quando a gente está bem ruim, não tem como não sentir medo. Foram dias bem complicados”, contou o trabalhador.

André conta que a motivação para voltar ao trabalho, e consequentemente, ao risco de ser reinfectado, vem da necessidade – de manter sua empresa familiar, que gera renda para o próprio sustento, e de manter a atividade, que não se desenvolve sem a presença do trabalhador no campo. “Primeiro o fato de eu trabalhar por conta, ou seja, se não trabalhar, não tem de onde tirar o sustento, e segundo porque o ramo do agronegócio, na agricultura e como motorista de caminhão também, são duas profissões que não podem parar, não desmerecendo as demais profissões, mas são duas atividades extremamente essenciais”, destaca.

Quem também compartilhou um pedacinho da sua experiência nesta matéria foi a funcionária do Hospital Cruz Vermelha de Castro, Andrea de Fátima Vicente. Ela que trabalha no setor de higienização da unidade, conta que ao longo desse período de pandemia, aprendeu a conviver com o medo de contaminação pelo vírus, e a supera-lo. “Mas com certeza a gente sente. Medo todos nós temos”, destaca.
Andrea também contou que mesmo com a exposição natural de sua atividade, sente-se mais protegida em seu ambiente de trabalho do que na rua, por exemplo. “Perigo tem em qualquer lugar, mas o risco maior está lá fora, pois não tem os EPIs que temos aqui. Esse é meu ponto de vista”, ressaltou ela, destacando ainda que sua principal motivação está na responsabilidade que carrega, de sustentar os filhos, e em um sonho particular. “Os meus filhos, o sustento deles e o bem estar deles, e a minha casa, que estou querendo reformar”, finalizou ela.

A reportagem também conversou com o 2º tenente do Quadro de Oficiais Policiais Militares (QOPM), Bruno Araujo Oliveira, que contou como ele e outros policiais enfrentam a pandemia. Conforme explicou o tenente, a palavra adaptação fez toda diferença no caso desta categoria de profissionais. “Assim como toda população, nossa rotina também foi impactada pela pandemia, impondo-nos o dever de nos adaptar. Porém, assim como outras categorias de serviços essenciais, não paramos um dia sequer desde o início do Estado de Emergência em Saúde Pública, mantendo-nos na linha de frente de combate à doença. O que fizemos foi [novamente] adaptar nossos protocolos, conciliando métodos que possibilitassem, ao mesmo tempo cumprir nosso dever, preservar nossa saúde, e também à saúde da população. Para atingir este objetivo, tendo a população como foco, desenvolvemos nosso trabalho de forma ininterrupta, sempre aperfeiçoando os protocolos e as estratégias que dão norte ao serviço, adaptando-nos à realidade que nos circunda”, ressaltou.

Os policiais, como bem lembrou Araujo, pela natureza da atividade, não puderam reduzir o ritmo de trabalho e nem podem transferir as atividades para o ‘home office’, por exemplo, e estão constantemente expostos ao risco de contaminação. “A missão da Polícia Militar é preservar a ordem pública, promovendo segurança através da prevenção, e agindo pontualmente nas ocasiões em que esta ordem pública venha a ser atingida. É um modelo que nos leva ao dever de, por cidadania, cuidarmos uns dos outros, a fim de atingir à prosperidade. Na essência do serviço do policial militar, está a comunidade à qual servimos. Nossa razão de ser são os outros, e existimos em prol do próximo”.

O tenente fez questão de citar também a importância da vacina, que é para profissionais de todas as categorias a resposta mais esperada de enfrentamento à pandemia do coronavírus, assim como, citou trabalhadores de outras áreas, que igualmente prestam serviços de extrema importância para a comunidade. “A pandemia derrubou os estereótipos que disfarçavam o egoísmo e o individualismo, e trouxe um novo sentimento de pertencimento comum. O avanço da vacinação é algo que nos enche de esperanças pelo fim dessa tempestade. Dela, ficará a saudade daqueles que perdemos para a Covid-19: amigos, familiares, colegas de trabalho. Neste momento, penso que temos muito a valorizar em perceber como as nossas vidas são sustentadas por pessoas comuns, geralmente esquecidas, mas que desde março de 2020 são ainda mais decisivos em nossa história: enfermeiros, médicos, pessoal da limpeza, policiais, jornalistas, sacerdotes, caminhoneiros, atendentes de supermercado, e tantos outros que, ao longo destes meses, dedicam-se ao próximo, compreendendo a essência do que é ser e pertencer à vida em comunidade, ensinando na prática que absolutamente ninguém se salva sozinho”, finaliza.

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