Nas últimas semanas ganhou espaço nas mídias sociais e também nos veículos de comunicação a expressão “colapso do sistema de saúde”. O debate sobre o tema ganhou força diante da expansão de casos da covid-19 e da sobrecarga no sistema de saúde (público e privado). Desta forma, começa a se falar sobre outro colapso, tão ou mais evidente que o primeiro, que é o colapso das pessoas que atuam no setor da saúde.
Há uma falsa impressão de que a abertura de vagas em unidades de terapia intensiva (UTIs) e leitos clínicos pode ser feita infinitamente e seria a “solução” para o caos provocado pela pandemia. Mas isso esbarra em dois fatores: (a) o evidente limite técnico e físico dos hospitais e (b) o limite e o colapso das pessoas que atuam no sistema de saúde, seja ele público ou privado.
No caso dos limites técnicos, notamos que os gestores em saúde têm feito o que podem para adicionar leitos nas estruturas já existentes. Mas no caso do limite das pessoas há mais a ser feito: os profissionais de saúde tem atuado sem férias há um ano, com uma alta carga psicológica e presenciando mortes diárias que são classificadas como “evitáveis”, já que são causadas por uma doença (covid-19) contra qual já há vacina.
Isso causa em boa parte dos profissionais a chamada Síndrome de Burnout, que é uma condição psicológica causada pelo excesso de trabalho. A isso se soma a insegurança causada nos profissionais, o medo de errar pelo cansaço e mesmo a incapacidade de não estar em sua “melhor forma” para prestar o atendimento de melhor qualidade ao paciente internado.
No caso dos hospitais que tratam covid-19, há ainda outro fator adicional: os profissionais de saúde estão “perdendo” muito mais do que estão acostumados. Em ambientes hospitalares a morte é uma exceção, nós lutamos todo tempo contra ela e fazemos de tudo para evitá-la de forma precoce e adiá-la. No entanto, com pacientes com a covid que estão internados, a morte tem sido frequente e desgastado ainda mais as equipes de saúde.
E esse colapso não atinge apenas os profissionais que atuam diretamente no atendimento aos pacientes, mas em toda a cadeia hospitalar: passando por profissionais da limpeza, motoristas, remoção e trabalhadores do transporte, da recepção, da regulação e NIRs, da radiologia, dos laboratórios clínicos, quem cuida das escalas e todas as outras funções que envolvem o atendimento pré e hospitalar. Desta forma é fundamental observar com carinho e atenção a questão do colapso das pessoas.
Se o dinheiro pode comprar equipamentos para uma nova UTI, um novo leito clínico ou uma ampliação de uma ala hospitalar, esse mesmo dinheiro não compra o descanso de uma equipe envolvida diretamente com o atendimento ao paciente. A sociedade, como um todo, precisa notar que há uma aproximação do colapso entre aqueles que atuam no campo da saúde e que tem como missão salvar vidas.
Com isso, precisamos lembrar que a atividade em saúde é uma atividade necessariamente humana. Isso implica dizer que apenas insumos não resolvem a situação de um paciente se não houver ali um profissional de saúde qualificado. Se o colapso no sistema de saúde (material) se tornou realidade, é preciso evitar o colapso das pessoas. Sem pessoas não há saúde pública e muito menos vida.
*Everson Krum – Vice reitor da UEPG e ex-diretor do HU-UEPG.